O Corpo do Tempo: Tati Helene impressiona em A Longa Ceia de Natal
A estreia brasileira da ópera A Longa Ceia de Natal, de Paul Hindemith, ganhou força e sensibilidade com a marcante atuação da soprano Tati Helene, que interpretou as personagens Lucia 1 e Lucia 2 na montagem da GRU Sinfônica, sob a regência de Emiliano Patarra e direção cênica de William Pereira. O espetáculo encerrou o 3º Festival de Ópera de Guarulhos e o evento Ópera em Pauta 2024 e emocionou o público no Teatro Padre Bento.
A obra, que condensa 90 anos da vida da família Bayard em 50 minutos de música contínua, exige dos intérpretes não apenas refinamento vocal, mas também um domínio daexpressão corporal. E foi exatamente aí que Tati Helene brilhou: ao assumir as duas Lucias — a jovem sonhadora que se torna a anciã carregada pela memória e sua vibrante neta na juventude pré casamento —, a soprano utilizou o corpo como instrumento expressivo para narrar a passagem do tempo, revelando com elegância e precisão a transição entre juventude e velhice, e a diferenciação das personagens.
Com mínimos gestos, alterações sutis na postura e um olhar que se tornava mais denso e distante à medida que a narrativa avançava, Tati Helene construiu uma Lucia 1 que evoluia com 0 peso dos anos. A delicadeza nos movimentos de Lucia 1 contrastou com a expansão dos gestos de Lucia 2, compondo duas personagens distintas mas ainda assim ligadas pela história familiar.
Sua voz, sempre precisa, serviu tanto à leveza do início quanto à densidade do desfecho da personagem, contribuindo para a fluidez narrativa da montagem. Em uma ópera que lida com nascimento, morte e o ciclo imutável da vida, Tati foi um elo emocional entre o que passa e o que permanece.
Ao lado de Thayana Roverso e Vinicius Atique, que também tiveram atuações notáveis, Tati Helene se destacou por sua entrega cênica e sensibilidade interpretativa em uma produção que, embora breve em duração, é imensa em significado. A Longa Ceia de Natal revelou-se uma meditação lírica sobre o tempo — e, nos gestos de Helene, o tempo ganhou corpo.
Foto: Gal Oppido